O Senhor caminha conosco

“O Senhor interpela-nos e, no meio da nossa tempestade, convida-nos a despertar e ativar a solidariedade e a esperança, capazes de dar solidez, apoio e significado a estas horas em que tudo parece naufragar”.
Papa Francisco, 27/03/2020

Brasília, 30 de março de 2020

Queridas Irmãs e Irmãos, Paz e Bem!

A situação de pandemia decretada pela Organização Mundial da Saúde, provocada pelo COVID – 19, provocou um impacto mundial. Já noticiado, do ponto de vista econômico as previsões não são boas. Segundo o Morgan Stanley Composite Index, em poucas semanas o mercado financeiro viu as ações das Bolsas de Valores do mundo perderem 15,5 trilhões de dólares e, é comentário geral: aumentará ainda mais a pobreza, o desemprego e a miséria, afetando países, famílias, pessoas e organizações.

Pela força de um decreto em favor da vida humana foi imposto à população uma mudança de rotina. Instalou-se um sentimento de angústia, ansiedade, insegurança e medo em relação ao amanhã. E foi a partir desta realidade tensa e incerta que a sintonia e união entre os humanos foi crescendo e tomando expressão através de gestos concretos de solidariedade, de unidade pela oração, da redescoberta do convívio familiar dentro de casa, dentre outras práticas e valores. As pessoas entraram numa dinâmica de repensar atitudes, ressignificar a vida, valores e rotina.

Contemplando o cenário mundial, damo-nos conta de que estamos em meio a uma pandemia que nos impõe mudanças no modo de viver e conviver. Ao mesmo tempo, vivenciamos o Período Quaresmal que nos convida à mudança de vida, à conversão. Temos, de um lado, a mudança por força da circunstância, provocada pela ação do coronavírus e, de outro, um convite ao coração humano renovado a cada ano no Período Quaresmal, em preparação à celebração da Páscoa. Ambos provocam-nos a repensar sobre nossa caminhada.

Como franciscanas e franciscanos, repensar a caminhada implica voltarmos o olhar para a nossa “identidade”. Atrás do termo que nos identifica “franciscana/o”, esconde-se o nome Francisco, seguido do topônimo Assis. Esse nome incorpora um conjunto de valores. Durante anos, Francisco de Assis foi absolutamente coerente em tudo que dizia e fazia, por isto, tornou-se uma figura emblemática. Mas, não podemos esquecer-nos que, “por trás de tudo”, havia uma mística que o alimentava: a mística do amparo ao pobre, da fraternidade, de abrir-se amorosamente ao outro, a Deus e a tudo que existe em nossa Casa Comum. O propósito e crença de Francisco era o Seguimento de Jesus, à luz do Evangelho e sua experiência foi tão intensa que outras pessoas iniciaram o Seguimento a seu exemplo, os primeiros companheiros, depois Clara e tantos outros, hoje, somos nós.

Nesta realidade de calamidade pública imposta ao mundo pelo coronavírus, o panorama pede-nos ações concretas. Especialmente no Brasil, faz-se necessário a presença de figuras humanas com ações firmes, palavras serenas e, além do respeito à gravidade do cenário que temos, que apontem um horizonte, fazendo renascer nos corações a esperança. Ao respondermos Sim ao Senhor, abraçamos um ideal de vida, carregamos a força de uma “identidade” e de um ideal encarnado por Francisco e Clara de Assis.

Irmãs e Irmãos da CFFB, considerando este momento pelo qual passa não só a população brasileira, mas toda a humanidade, perguntemo-nos: O que nós, franciscanas e franciscanos, podemos fazer? O que estamos fazendo e precisa ser mudado?   Nos alimentamos da mesma mística que alimentou Francisco e Clara?

O que o mundo espera de nós, especialmente em momentos de crise como a que vive a humanidade neste momento, é que a força mística do ideal que abraçamos ganhe vida em nosso modo de ser e fazer em favor do amparo e cuidado com os pobres; de viver a fraternidade dentro e fora de nossos conventos, e como expressamos nossa abertura amorosa ao outro, a Deus e a tudo que existe em nossa Casa Comum. A exemplo de Clara e Francisco de Assis, não podemos perder de vista esta mística. Outrossim, movidos por ela, não podemos deixar-nos levar por dores e temores do que escapa ao nosso controle, a pandemia do COVID – 19. No momento, não faz muito sentido só nos preocuparmos, mas faz sentido nos prevenirmos e colaborarmos com o que precisa ser realizado com responsabilidade por todos nós. Aqui manifestamos preocupação especial com a população de rua, as comunidades periféricas, os povos indígenas e ribeirinhos e tantos outros esquecidos. Como fazer para que essas pessoas em maiores privações e provações sintam nossa proximidade?

O Papa Francisco em suas mensagens e pronunciamentos pede-nos criatividade pastoral e seu apelo é para respondermos à pandemia com a universalidade da oração, da compaixão, da ternura, da união e da proximidade. E isto ele faz com propriedade. No dia 27 de março de 2020, por ocasião da benção Urbi ET Urbi extraordinária, em uma Praça vazia, ele se reuniu com milhões de pessoas de todos os pontos da Terra para rezar. E, neste encontro de oração, deu a todos sua mensagem e benção e recomendou-nos à proteção de Deus e Nossa Senhora: “Queridos irmãos e irmãs, deste lugar que atesta a fé rochosa de Pedro, gostaria nesta tarde de vos confiar a todos ao Senhor, pela intercessão de Nossa Senhora, saúde do seu povo, estrela do mar em tempestade. Desta colunata que abraça Roma e o mundo desça sobre vós, como um abraço consolador, a benção de Deus”.

Recomendamos a leitura de sua mensagem na homilia para esta ocasião, fundamentada no Evangelho de Mc 4, 35 – 41, quando Jesus acalma a tempestade no mar da Galileia, conduz-nos a refletir sobre nosso medo diante das tempestades da vida e a abraçar o Senhor, para abraçar a esperança, pois somente Ele liberta-nos do medo e dá-nos esperança.

Em comunhão com a Igreja do Brasil, tenhamos presente o pronunciamento de Dom Walmor de Oliveira Azevedo, presidente da CNBB, por ocasião da Festa da Anunciação, 25 de março de 2020. Com sensatez e sabedoria, convida-nos a repudiar posições e pronunciamentos inconsequentes e irresponsáveis de lideranças políticas, que não buscam a defesa da vida e o bem comum e adverte: “precisamos cobrar do Judiciário um projeto de grande contingência para o amparo dos mais pobres neste momento de crise. Um projeto inteligente que faça mostrar que a sociedade brasileira cuida, de fato, do cidadão, sobretudo, dos que precisam mais, dos vulneráveis, dos mais pobres, garantindo trabalho e sustento para todos. Esperamos do Legislativo, em todas as suas esferas, a corajosa postura de mostrar com exemplos e com intuições que possam modificar o caminho do mundo e da sociedade brasileira propostas concretas de mudanças, sobretudo, no testemunho a todos convocando para a solidariedade”.

Em meio a toda esta tempestade que nos apavora, o Senhor caminha conosco e interpela-nos. Juntos, possamos aprender a lição de superar todas as divisões e medos e a buscar o caminho do diálogo, da cooperação e da promoção da dignidade humana, especialmente dos pobres marginalizados. Isto é a verdadeira conversão.

Deixamos o convite para cada uma das fraternidades de todos os Regionais da CFFB: celebrarmos o Mistério Pascal, com criatividade, beleza e simplicidade. Uma celebração que seja expressão de comunhão, solidariedade e proximidade com centenas de comunidades e famílias que, neste ano, vão celebrar em suas casas.

Prossigamos firmes e esperançosos e conclamemos com o Papa Francisco: “Ele ressuscitou e vive ao nosso lado. Da sua cruz, o Senhor desafia-nos a encontrar a vida que nos espera, a olhar para aqueles que nos reclamam, a reforçar, reconhecer e incentivar a graça que mora em nós. Não apaguemos a mecha que ainda fumega, que nunca adoece e deixemos que reacenda a esperança”.

Em sintonia com todas as irmãs e irmãos da CFFB, peçamos a Nossa Mãe Aparecida, ao Seráfico pai Francisco e Santa Clara que intercedam por toda a humanidade neste momento de dor e angústia.

Fraterno abraço,

Irmã Cleusa Aparecida Neves, CFA
Presidenta da Conferência da Família Franciscana do Brasil

Fonte: cffb.org.br

#compartilhe